segunda-feira, 23 de junho de 2014

Mil Passados e Nenhum Futuro

 Cena do filme "O Segredo dos Seus Olhos" de Juan José Campanella

          Recentemente eu assisti a um excepcional filme argentino chamado “O Segredo dos Seus Olhos” e uma frase proferida por um dos personagens do filme me chamou especial atenção. Em determinado momento da película, esse personagem adverte o protagonista Benjamín Esposito (Ricardo Darín), que é um sujeito extremamente obcecado pelas decisões e hipóteses do seu passado, de que se ele prosseguir com sua exploração incessante, remoendo todas as minúcias daquela época, vai acabar tendo “mil passados e nenhum futuro.” Essa afirmação me fez refletir de tal forma que eu decidi visitar, pela enésima vez, o meu passado não tão longínquo e tentar compreender o porquê da minha insatisfatória situação atual no âmbito profissional. Porém, sem criações dispensáveis, suposições infundadas e possibilidades ilusórias de novos passados, pretendo me ater somente ao meu “primeiro” e único passado.

          Cá estou novamente nessa encruzilhada, mas, dessa vez, o cerco está se comprimindo e me sufocando de um modo deveras aflitivo, diferente de 6 anos atrás, quando eu parecia mais resoluto, quando os vestibulares eram minha única preocupação e meu futuro estava bem alinhado com as expectativas que eu tinha.

          As minhas escolhas do curso e da faculdade foram embasadas, principalmente, em duas afirmações que eu ouvia frequentemente de professores, amigos e família.

“Engenharia de Produção é a mais abrangente das engenharias, a mais humana.”
“Uma universidade pública é o sonho de qualquer estudante.”

          E, realmente, eram afirmações verdadeiras, tanto o curso apresentou várias matérias de cunho humano relacionadas, majoritariamente, com administração de pessoas; quanto o ingresso para a Universidade Pública foi um sonho para mim em 2009 e uma das melhores sensações que tive foi notar o meu nome em uma lista de aprovados em primeira chamada. Esse dia foi memorável.

          Entretanto, apesar de genuínas, essas constatações eram quebradiças para sustentar decisões tão importantes como estas e eu não tinha conhecimento o suficiente sobre mim mesmo para compreender tamanha responsabilidade. Acredito que esse seja um dos grandes vícios do ensino médio e dos cursinhos pré-vestibulares, isto é, o jovem irresoluto sobre sua futura profissão é pressionado pela sociedade a ter um resultado satisfatório no vestibular, porém um bom desempenho na prova ofusca a escolha da carreira, ou seja, é mais importante o resultado obtido na prova do que a sua convicção profissional.

          Eu nunca tive certeza de qual profissão escolher, já desejei ser goleiro, astronauta, cineasta, advogado, trabalhar em letras, mas engenharia nunca foi uma das minhas prioridades, era apenas mais uma possibilidade dentre tantas outras, somente uma hipótese de contingência. Tanto que em 2007, no auge da minha imaturidade, optei, motivado por influências externas, a prestar um vestibular para Direito, uma escolha totalmente infantil e destituída de sentido. Nesse mesmo ano, consciente de que Direito seria uma sórdida escolha, tive pouco tempo para procurar por outro curso que, minimamente, despertasse algum interesse em mim, foi nessa busca apressada que encontrei Engenharia de Produção em um catálogo de profissões e, pelo que li e ouvi dizer, parecia uma opção prudente, já que era uma profissão que não abrangia apenas a parte de exatas, tinha uma ampla área de atuação no mercado e possuía o “status” de ser uma Engenharia.

          Desse modo, guiado mais por desespero do que por lucidez, realizei o exame em 2007 e não passei. O dia em que soube do fracasso nessa prova foi lúgubre, minha frustração foi tamanha que passei grande parte do dia inerte na cama rodeado por pensamentos tortuosos. Hoje, compreendo melhor essa reação melancólica que tive, pois, na época, eu me preocupava apenas em passar no vestibular em uma faculdade pública para provar aos outros que a fama de ser “o mais inteligente da classe e da família” não era injustificada. Era uma enorme pressão invisível e, na verdade, completamente exagerada.

          Veio 2008, o ano do recomeço e de pressões ainda mais intensas. Inicialmente o plano era conseguir um emprego durante o dia e realizar um cursinho pré-vestibular à noite, a mesma tática de tantos outros. Porém, eu tive a confiança dos meus pais de que, dessa vez, eu seria aprovado em alguma faculdade pública, dessa forma, pude me dedicar estritamente aos estudos durante o dia e ao cursinho pré-vestibular noturno.

          Diferentemente do 3º ano do Ensino Médio, eu iniciei o cursinho sabendo que Engenharia de Produção seria o meu foco e eu aparentava certa convicção, tanto que eu consegui convencer a mim mesmo de que eu estava no caminho mais coerente. Contudo, ocorreu um momento crucial em setembro de 2008 que me fez reavaliar totalmente minhas certezas. Essa epifania foi proveniente de uma palestra acerca de vocação, ministrado pelo professor de química do cursinho. Eu resolvi me inscrever só por curiosidade, todavia, recordo-me com nitidez, era um sábado gris, poucas pessoas compareceram e aquelas quatro horas de estímulo ao autoconhecimento me fizeram enxergar o que eu não queria ver, que, talvez, eu estivesse me enganando todo aquele tempo e que aquela profissão, na realidade, nada tinha em comum comigo.

          Lembro-me que deixei a escola atordoado, repleto de dúvidas, mas, concomitantemente, pensei que a época de provas estava muito próxima para que eu realizasse uma mudança tão brusca. Foi, então, que eu fiz o que eu mais me acostumei a fazer naquela época, ignorei descaradamente a minha intuição. Ignorei todos os sinais de alerta que me apareceram desde o ensino fundamental, quando eu obtinha frequentemente as maiores notas de redação, quando a professora lia, em voz alta e para todos da classe, os meus textos como modelos de excelência, e eu, encolhido de vergonha, só desejava desaparecer dali. Desse modo, fui, imperceptivelmente, afastando-me da minha inclinação para o português e suas vertentes em prol de uma futura estabilidade financeira que, na minha errônea convicção de autômato, só seria possível por meio de profissões tradicionais no mercado, como Engenharias e Direito (não citei Medicina, porque sempre odiei hospitais). Quanta bobagem!

          Realizei o vestibular em 2009, fui aprovado, muita comemoração pelo meu feito, mas ninguém perguntava a respeito da minha certeza profissional, só importava que eu seria Engenheiro e ganharia muito dinheiro para ajudar a família e ser um exemplo de sucesso.

          E os cinco anos de faculdade, que pareciam eternos, converteram-se em poeira diante dos meus olhos, porém, foi um período ao qual não me arrependo, pois foi lá que amadureci, que formei laços intensos de amizade e que pude me conhecer melhor.

          Minha maior lamentação consiste em não ter valorizado minha intuição nas minhas decisões profissionais, e espero que, daqui em diante, eu a escute atentamente, não tenha medo de segui-la e de me agarrar a ela para mudar minha situação, mesmo que não seja a escolha ideal, mas, dessa vez, será totalmente uma escolha minha. Se eu pudesse conceder apenas um conselho às inúmeras pessoas irresolutas sobre suas vocações, eu só diria: “Siga sua intuição e seja sincero(a) consigo mesmo(a)”, soa como uma sugestão um tanto clichê e simplória, mas, para mim, é a mais verdadeira lição que aprendi, até hoje, sobre a vida.

          Acerca de Benjamín, a escavação intensa do seu passado o levou a ter perspectiva de algum futuro, pois, olhando constantemente para trás, ele pôde perceber os seus erros camuflados pelo tempo e tentar alterar o seu presente a partir de uma nova ótica sobre si mesmo. Minha esperança é que, tal como Benjamín, eu encontre as respostas do presente nas perguntas do passado.

          Percebo que esse texto se tornou maior do que deveria, talvez por ser tão extenso quanto a minha angústia e indecisão.

  "Meu pai não foi à faculdade, então era importante que eu fosse.
   Daí eu me formei, liguei pro meu pai e perguntei: ‘E agora pai?’
   Ele disse: ‘Arranje um emprego.’
   Agora tenho 25 anos e quando faço minha ligação anual pergunto: “Pai, e agora?”
   Ele diz: ‘Eu não sei, case-se.’ ” – Trecho do filme “Clube da Luta”

    Vitor Costa

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